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Sem Chumbo

Chumbo

Pesquisa da UFSCar busca por uma substituição do chumbo nos componentes eletrônicos por materiais ecologicamente amigáveis.

Materiais ferroicos são aqueles que apresentam uma ou mais das propriedades físicas – ferroeletricidade, ferromagnetismo (ou antaiferromagnetismo) e ferroelasticidade – que têm especial interesse para aplicações em dispositivos eletroeletrônicos, como capacitores, sensores, memórias, dentre outros. Atualmente, os materiais mais comuns nessas aplicações são baseados em chumbo, cuja toxicidade é um problema ambiental, exigindo o desenvolvimento de alternativas sustentáveis.

Nas últimas décadas, uma família de materiais – os materiais eletrocerâmicos baseados em titanato de sódio e bismuto (BNT) – tem atraído a atenção da comunidade científica como possível alternativa na substituição do chumbo. No entanto, eles apresentam um comportamento dielétrico (de isolamento elétrico) em altas temperaturas muito diferente do encontrado nos materiais tradicionais, e a origem desse comportamento tem gerado controvérsias entre os pesquisadores.

Compreender os mecanismos físicos por trás desse comportamento, bem como sua relação com a temperatura, é fundamental para desenvolver soluções que tenham bom desempenho nas aplicações tecnológicas desejadas. Não é adequado, por exemplo, usar um material com propriedades excelentes, mas que perde essas propriedades justamente na temperatura de uso de um determinado dispositivo.

O Grupo de Materiais Funcionais Avançados do Departamento de Física (DF) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) vem, há pouco mais de cinco anos, atuando justamente na busca por novos materiais ecologicamente corretos para essas aplicações.

As pesquisas resultaram, na publicação de artigo na Scientific Reports, revista do grupo Nature, relatando resultados que explicam o comportamento anômalo dos materiais baseados em titanato de sódio e bismuto e, assim, abrem caminho para o design desses materiais de forma a otimizá-los aos usos pretendidos.

Além do foco nas questões ambientais, outro diferencial do grupo de pesquisa da UFSCar é o emprego de técnicas não usuais de caracterização dos materiais. “De modo geral, as ferroelétricas, piroelétricas, piezoelétricas são medidas com resposta elétrica, e nós medimos também a resposta mecânica”, conta Paulo Sergio da Silva Jr., docente do DF. “Somos pioneiros no Brasil no uso da espectroscopia mecânica na análise de materiais ferroicos, e ela nos ajudou a entender o que estava acontecendo no material a partir de resultados anteriormente”, registra o pesquisador.

Silva Jr. compartilha inclusive uma curiosidade da trajetória da pesquisa. “Um renomado colaborador antigo nosso, quando viu esses resultados pelo primeiro vez, não acreditou, insistia que eram problemas nas amostras, ou no equipamento”, relata o professor da UFSCar.

“Havia uma lacuna na literatura sobre resposta elétrica desses materiais em uma determinada faixa de temperatura, e a resposta mecênica, combinada às técnicas elétricas, trouxe novas informações que complementaram o estudo”, resume Silva Jr. Ou seja, a partir desses resultados, o grupo conseguiu desvendar o comportamento dielétrico do BNT em altas temperaturas. Esse comportamento está relacionado principalmente a um fenômeno chamado de polarização interfacial envolvendo efeitos de cargas espaciais relacionados a defeitos do tipo vacância de oxigênio. Esses defeitos geralmente ocorrem em materiais eletrocerâmicos, sendo que, naqueles com estrutura perovskita, surgem para manter a estabilidade elétrica desses materiais, dependendo da valência dos elementos químicos que ocupam uma determinada posição desta estrutura (sódio ou bismuto que compartilham a posição A da estrutura, no caso do BNT).

Como a mobilidade de vacâncias de oxigênio no interior do grão e entre grãos do material afeta substancialmente a resposta dielétrica e de condução termicamente estimulada do BNT, desvendar a fenomenologia associada a este mecanismo permitirá um adequado controle e aprimoramento dessas propriedades físicas em altas temperaturas. No estudo da UFSCar, além das técnicas empíricas, os pesquisadores também usaram modelagem matemática para descrever o fenômeno observado.

Assim, está aberta afora, a partir do estudo, uma nova janela de oportunidades para o design de materiais eletrocerâmicos ecologicamente amigáveis que substituam o chumbo e possam ser utilizados em componentes eletrônicos capazes de operar em uma ampla faixa de temperatura sem variações de desempenho.

O artigo com os resultados do estudo foi publicado na modalidade de acesso aberto e, assim, pode ser acessado livremente em Scientific Reports, via https://rdcu.be/cakLA

A pesquisa contou com o apoio da Fundação de Amparo à pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e, além de Silva Júnior, o artigo tem autoria do também docente do DF Michel Venet Zambrano: de Julio Cesar Camilo Albornoz Diaz, cuja tese de doutorado, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Física (PPGF) da UFSCar, deu origem aos resultados resportados: e de Jean-Claude M’Peko, docente do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP).

Revista IPESI – EI – 231