A pilha de lixo eletrônico não para de crescer. Para combater esse problema, ganham força os encontros para reparar qualquer produto danificado – os “Repair Cafe” – e surgem também iniciativas como a legislação francesa de incentivo ao conserto de eletroeletrônicos
Em 2019, 53,6 milhões de toneladas métricas de lixo eletrônico foram geradas em todo o mundo, um aumento de 21% em apenas cinco anos, de acordo com o Global E-waste Monitor 2020 da ONU. O relatório também prevê que o lixo eletrônico global – produtos descartados com bateria ou plugue – chegará a 74 milhões de toneladas métricas até 2030, quase o dobro do lixo eletrônico em apenas 16 anos. Isso o torna o lixo doméstico de crescimento mais rápido do mundo, alimentando principalmente pela maiores taxas de consumo de equipamento elétricos e eletrônicos ciclos de vida curtos e poucas opções de reparo.
Apenas 17,4% do lixo eletrônico de 2019 foram coletados e reciclados. Isso significa que ouro, prata, cobr, platina e outros materiais recuperáveis de alta valor avaliados conservadoramente em US$ 57 bilhões – uma soma interno bruto da maioria dos países – foram em sua maioria descartados ou queimados em vez de coletados para tratamento e reúso.
Para combater a enorme quantidade de lixo eletrônico e a obsolescência programada dos produtos, começam a ganhar força mundo afora os chamados “Repair Cafe” foi organizado em Amsterdã, nos Países Baixos, em 2009, pela Jornalista Martine Postma. Logo em 2010, a jornalista criou a Repair Cafe Foundation, que já contava em 2020 com cerca de dois mil locais físicos onde o público pode levar qualquer coisa para consertar. Nesses locais, há pessoas, ferramentas e materiais que possibilitam aumentar a vida útil de eletrônicos, brinquedos, bicicletas, móveis e o que mais for preciso. Se a pessoa não tiver nada para consertar, pode ajudar em outros projetos ou só tomar um café.
No Brasil, o movimento ainda é nascente e há poucos locais para a atividade. Em meados de 2020, havia dois lugares cadastrados no mapa: um em Santos, no litoral paulista e outro em Porto Alegre (RS).
Antes, em qualquer cidade de qualquer país havia oficinas e todos sabiam para onde ir quando precisavam consertar alguma coisa. Não raras vezes, havia pessoas próximas, como pais, avós, tias, tios, vizinhos que detinham o know-how para consertar.
Esse conhecimento acabou se perdendo com as mudanças culturais que ocorreram principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, quando o mundo passou a adotar a cultura do descartável, do desperdício de materiais, em nome da conveniência. Mas, claro, isso é sustentável.
O interesse dos Repair Cafe é que eles podem ser realizados em qualquer lugar, numa biblioteca, igreja, prefeitura, centro comunitário etc. O conceito é simples. Um evento comunitário de reparos o convida a trazer item quebrado, para ser reparados gratuitamente, por um especialista – pode ser seu vizinho.
O Repair Cafe, porém, têm um truque. Não se trata de um serviço que a pessoa deixa um item a ser consertado e paga depois. A pessoa fica com seu produto durante o processo de reparo. a pessoa se sente e descreve o que o produto não está fazendo e que devia fazer, quando parou de funcionar e onde o defeito pode estar. Enfim, não é uma transação monetária – é uma transação interpessoal, em que além de passar conhecimento também aprofunda os laços entre as pessoas de uma comunidade.
Incentivo ao conserto
Na frança, os Repair Cafe são bastante difundidos. Mas, além disso, o governo do país busca incentivar o conserto, até porque grandes volumes de lixo eletrônico poderiam ser evitados se os reparos fossem disseminados. Atualmente, segundo dados Agencia Francesa de Gestão Ambiental e Energética, somente 40% dos eletrônicos danificados são consertados no país. Mas, pesquisas indicam que cerca de dois terços dos europeus gostariam de consertar seus itens em vez se comprar novos.
Para reduzir essa vasta quantidade de resíduos evitáveis, a Assembléia Nacional da França aprovou no ano passado a introdução um índice de classificações de “Reparabilidade” para aparelhos como máquinas de lavar, cortadores de grama, televisores e smartphones. Ao fazer isso, o governo francês espera aumentar a taxa de reparos de eletrônicos para 60% em cinco anos.
Essas regras entram em vigor em janeiro e exigem que os fabricantes exibam classificações – semelhante ao sistema de classificação de energia já amplamente em vigor – que são calcula-das usando cinco medidas: facilidade de reparo, preço das peças de reposição, disponibilidade de peças de reposição, disponibilidade de documentação de reparo e uma medida final que irá variar dependendo do tipo de dispositivo. Após o primeiro ano, uma multa de até 15000 euros será aplicada aos produtores, distribuidores e vendedores que não cumprirem as regras. A conta também inclui um índice de “durabilidade” a partir de 2024, que terá novos critérios como confiabilidade e robustez do produto.
O esquema de classificação foi anunciado como o primeiro desse tipo no mundo, estabelecendo as bases para outros países o seguirem. Espera-se que sistema francês dê inicio a uma corrida entre as empresas para melhorarem a capacidade de reparo. Acredita-se que as medidas permitirão que mais indivíduos, bem como terceiros, como oficinas de reparo, executem o trabalho – o que pode levar a uma maior aceitação.
Estudos preliminares sugerem que o aumento de reparos pode ter um grande impacto. Análise do European Environmental Bureau (EEB), rede de organizações ambientais na Europa, estima que ao estender a vida útil de todas as máquinas de lavar, notebooks, aspiradores de pó e smartphones na União Europeia em um ano haveria a economia de quatro milhões de toneladas de dióxido de carbono anualmente até 2030 – o equivalente a tirar dois milhões de carros das estradas a cada ano.
No entanto, críticos lembram que há uma falha notável no índice de “reparabilidade” da França: são os fabricantes que se auto-avaliam – e não um órgão independente.